10 agosto 2012

Política na escola



Helena Poças Leitão


A primeira definição de política vem do grego politiké = ciência dos negócios do Estado. A política surgiu na antiga Grécia, com Platão. Ele percebeu que através da educação cada homem desenvolve suas ideias e passa a viver de acordo com elas. O despertar para o mundo das ideias é um processo lento e gradual. Aliás, uma das características que diferencia o ser humano dos outros animais é sua capacidade de pensar, refletir, criar coisas novas com base em outras experiências ou experiências passadas. Foi ele também o primeiro a se preocupar com questões políticas, com formas de governar a pólis (cidade-Estado grega). Na pólis vive o cidadão, ou seja aquele que vive na cidade-Estado, assim a ideia de cidadania é bastante antiga.

Mas foi com Aristóteles que nasceu a política com forma sistemática, como necessidade natural do homem. O homem busca a felicidade, que é o maior de todos os bens, mas o homem não vive só, isolado, ele vive em grupo e precisa dos outros. Portanto, a felicidade coletiva, a ciência, a ética, e a política são os maiores bens do ser humano. Para Aristóteles a ciência política deveria ser extremamente ética.

Mas como a política é tratada no Brasil? Como mostrar a importância da política para os alunos? A professora e historiadora Bruna Cantele debate sobre o tema e explica a influência da política na educação brasileira.

RCEG: Como trabalhar o tema “política” em sala de aula para alunos do Ensino Fundamental I?

Bruna Renata Cantele: Do mesmo modo como adultos discutem e questionam os problemas, grupos de crianças que possuem pensar coletivo em muitos assuntos discutem e tomam decisões e partidos. Política deve ser assunto de sala de aula. O que não podemos fazer, com certeza, é expressar preferência por um ou outro partido político, isto é, partidarizar as aulas e nem tão pouco sair em defesa de algum político, afinal nós somos os multiplicadores de diferentes saberes. A vontade de cada um deve ser respeitada. Temos obrigação de formar cidadãos pensantes. Há muita coisa para se fazer, como o canto do Hino Nacional, símbolo pátrio auditivo, (que poucos adultos sabem cantar) o hasteamento da bandeira, o estudo de um símbolo do Estado ou da Pátria e, assim, está pronto o momento de cidadania, e o momento político de diferentes socializações de saberes.

Os alunos podem, dessa forma, viver experiências de atividades como poder escolher o seu representante de classe; estabelecer algumas regras para seus trabalhos; assumir responsabilidades nos trabalhos individuais, de grupo, adquirir liberdade, autonomia e respeitar os direitos dos outros. Os alunos começam a desenvolver uma consciência crítica, um comportamento cívico e a possibilidade de se tornarem futuros cidadãos, mais politizados para avaliar, escolher os líderes da sua comunidade, do seu estado, do seu país.

Para Vigotsky as crianças são capazes de trabalhar com ideias muito mais do que as pessoas imaginam.

RCEG: A Profa. acredita que a falta de conhecimento político do povo brasileiro deve se à pouca abordagem do tema desde a infância?

BRC: Sim, a pouca abordagem ministrada nos cursos não desperta nas crianças o desejo de conhecer quem são os políticos, o que eles representam na vida da comunidade; onde e como eles trabalham, como são eleitos. Acredito que o desenrolar de uma conversa em sala de aula poderá ser um mote para que as crianças ganhem a criticidade política. Verifica-se que não obstante os bonitos discursos circunstanciados politicamente, a educação formal continua sendo compartimentada em componentes, em grande quantidade voltada a conteúdos informativos, ministrada através de aulas expositivas e centradas em manuais escolares. O desejado desenvolvimento escolar, fundamentado em bases de política, da concepção global/integral das crianças e dos jovens, nas suas múltiplas dimensões, cognitivas, étnicas e humanísticas, não está acontecendo como devia.

A profissão do professor é paradoxal. De todas as ocupações, somente o ensino é responsável e encarregado da dificílima tarefa de habilidades e capacidades humanas que permitam às sociedades terem êxito. Mas é a escola que precisa se reestruturar politicamente, e tudo começa com a educação, com a formação dos professores, com projetos para acompanhar essa sociedade brasileira em transformação. Que a globalização e a transmissão do conhecimento sejam compartilhadas por muitas instituições, e que o trabalho não seja individual, mas grupal.

O sistema educativo, para mim, seria o conjunto de regras e tudo o que acontece dentro e fora da escola. Assim, participa do sistema muito mais a comunidade, na qual as associações, os meios de comunicação e a internet têm fundamental importância. Eu diria que a instituição educativa não pode trabalhar isolada. A falta de conhecimento político desde a infância leva o jovem à carência de bons saberes sobre o tema. Poderíamos pensar em um trabalho mais sistemático de apresentação dos direitos e deveres dos cidadãos para os jovens em suas primeiras incursões pelo universo educacional (como o direito do consumidor, leis de trânsito, direitos das crianças e adolescentes, direitos humanos). Obviamente que tudo isso deveria ser adaptado e que os professores deveriam ser preparados para que esse estudo venha a ter a eficácia desejada.

O futuro tende a descentralizar, dar maior autonomia aos docentes e às comunidades em razão de um fato importante que antes não existia – o contexto. Antes tudo era igual, hoje, ao contrário, tudo está mais contextualizado, porque aí estão todos os problemas da sociedade. O futuro será descentralizador.



RCEG: Os professores estão preparados para trabalhar a política em sala de aula?

BRC: Acho que há muito para se fazer ainda; mas muito já foi feito com os professores. É preciso seguir uma série de etapas, estamos no século XXI, um tempo de transformações velozes, de complexidade crescente, de novas linguagens tomando conta da sociedade, de novos saberes. Contudo, o espaço escolar não é mais o único lugar para se aprender, por isso nosso desafio deve ser constante, devemos nos atualizar. Mas onde adquirir os conhecimentos políticos para essa dinâmica se não há ênfase política nos cursos de pedagogia? Na verdade os professores se preocupam
mais com a alfabetização do que com a política. Lembremos que são os primeiros professores os catalisadores da sociedade de informação. Eles deveriam estar mais bem preparados, o Estado devia fornecer subsídios para isso. Os professores passam por imensos desafios e aqueles que desejam reformar o ensino e aperfeiçoar saberes sofrem a solidão desse processo. Recebemos legados culturais muito menores que outros países.

RCEG: Quais os benefícios, para os alunos, de aprender conceitos básicos da política desde cedo?

BRC: É importante que a política venha a ser parte do currículo de jovens, para que eles cresçam sabendo de suas responsabilidades, de seus direitos, para que participem de forma mais ativa na construção do nosso país. Acredito que os jovens mais politizados, conscientes, escolhem melhor por meio do voto seus representantes. Os jovens estudantes certamente não vão acabar com a desigualdade social, mas terão um melhor treinamento de habilidades essenciais para que se cumpra o processo democrático.

Os jovens de hoje serão os representantes do povo amanhã, não podemos nos esquecer disso. Quando enfrentarem conflitos e discordâncias, farão desses momentos debates para o processo democrático, o uso da cidadania e da política. Esperamos que eles se tornem agentes qualificados do processo de mudança, reagindo rápida e eficazmente às mudanças sociais e políticas, e que entrem em contato com a realidade política do país em que vivem.

Sugiro aos professores que incentivem a dialética sobre o prefeito, o governador e o presidente do país em que vivem, usando temas como: se eu fosse prefeito de minha cidade, ou o governador de meu estado, ou ainda o presidente de meu país, o que eu faria? O trabalho poderá ser individual ou em grupo, escrito ou também ser colocado em um mural, sendo exposto para socializar as ideias.

RCEG: Os brasileiros não acreditam na política devido aos escândalos, desvios de dinheiro pelo governo, pessoas despreparadas que se candidatam a cargos públicos, entre outros. Como a professora acha que podemos mudar esse quadro?

BRC: Sem generalizar, vamos pensar juntas? Somos catalisadores da mudança na sociedade, somos vítimas do enfraquecimento da rede de redução dos gastos com o bem público, da convulsão social na família dos aluno, e boa parte do descompromisso com a vida pública e política.

É comum ouvir em uma reunião social as pessoas dizerem; – Ah! Falar de política não muda o foco!

Nosso interesse político é muito pequeno, somos pouco alfabetizados politicamente. Essa nossa ausência de participação política gera o desconhecimento que passa de geração para geração. Acredito que os escândalos e os desvios de dinheiro pelo governo feitos pelos candidatos a cargos públicos não acontecem só no nosso país. Mas no Brasil temos tido governos que se afastaram dos planos propostos e fizeram dívidas nacionais para liberar o investimento pessoal. E é neste que surge a escola pública como um dos itens mais onerosos e vulneráveis na lista dos gastos públicos. Estamos despertando politicamente; viemos de escândalos desde a Primeira República, escândalos no Governo Vargas (ditadura varguista, o peleguismo); depois, veio o período da República populista de 1951-1964 e uma ditadura de mais de 20 anos (1964-1985), nosso conhecimento é relativamente pequeno no que diz respeito à democracia, ao processo eleitoral etc. Atualmente ouvimos falar em mensalão, imunidade parlamentar, picaretagens e outros termos que nos envergonham como brasileiros.

Rui Barbosa faz quase cem anos, mas ele tinha razão ao dizer: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver crescer as injustiças, de tanto ver agigantarem os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra e ter vergonha de ser honesto”.


RCEG: Ano após ano, candidatos prometem investir mais em educação, porém, aparentemente não enxergamos mudanças significativas. A professora tem a mesma opinião?
BRC: Sim, temos que promover uma educação que contrarie a cegueira do pensamento simplificador (“deixa isso para lá, depois eu resolvo, amanhã é outro dia, vamos em frente, deixa, o que for eleito está bom, nada vai mudar mesmo...”) dando aos professores uma educação que desenvolva a competência de pensar de uma forma mais global, mais humanista. Falta lançar bases sólidas, bases que implicam o desenvolvimento do espírito ético e social. Para que se cumpra o projeto educacional de modo significativo: regularizar o fluxo escolar, tirar o jovem das ruas, montar programas educativos, acelerar a prática educativa para que o aluno e o professor sejam contemplados.O aluno, com o conhecimento, e o professor com vontade de transmitir saberes tendo um salário digno.
Acho que é necessário mudar a forma de conceber a educação. Razões epistemológicas, pela própria evolução do modo de pensar sobre natureza e conhecimento, vão levar às mudanças. As promessas são parte do processo político; mas cumpri-las é que são elas... O que é uma pena, pois as concepções políticas, como já foi dito, nascem com a realização nos primeiros anos do Ensino Fundamental.


RCEG Como a professor. vê a qualidade de educação oferecida nas escolas públicas e nas escolas particulares?
BRC: A função da escola e o paradigma educativo dominante têm que ser reequacionados, diante dos desafios colocados, com crescente premência, nas sociedades contemporâneas, e que são decorrentes: da falência da crescente compartimentação e da atomização do conhecimento científico; dos desastres e desequilíbrios ecológicos; do alastramento de doenças com elevadas taxas de mortalidade; da contaminação da cadeia alimentar; do enfraquecimento da família; do alastramento da subcultura que se traduz na perda do sentido estético, da criatividade e do espírito crítico; da perda de referências culturais e patrimoniais. Tudo isto colaborou para a desigualdade entre a educação pública e a particular. A escola pública ou particular deveria ser o centro de referência de cidadania. Já trabalhei na rede pública e, agora, na rede particular. As minhas aulas sempre tiveram a mesma qualidade.
Vejo a educação como um processo de ampliação de experiências e realização de novas aprendizagens. Se não estiver enganada 90% dos brasileiros que podem pagar escola colocam os filhos em escolas particulares. Por quê? Porque nas últimas décadas houve uma grande inversão de valores de políticas educacionais públicas. Falta vontade política, recursos e, sobretudo, compromisso com o resultado dos alunos. Isso acabou virando uma bola de neve, que afetou educadores que se desdobram para manter a qualidade do ensino, tarefa que pode durar muitos anos ainda (20 ou 30 anos). Resultado: compromete-se o futuro dos alunos, enganam-se os professores com falsas promessas e a maioria dos brasileirinhos não terá a prometida educação.

O novo modelo educativo tem que requerer sintonia maior entre o pensar e o sentir, entre o desenvolvimento da abstração e dos diversos aspectos da personalidade. Devemos associar num mesmo ato, em qualquer proposta educativa, o conhecimento com o afeto, o pensamento, o raciocínio com a moralidade, o acadêmico com o pessoal, as aprendizagens com os valores. Ou seja, escola pública ou particular deviam compartilhar uma educação integral, uma meta eu historicamente deveriam estar presentes em todas as pedagogias inovadoras.



RCEG: A senhora tem conhecimento de projetos bem-sucedidos criados pelo governo ou por instituições educacionais sobre o ensino de política para crianças?

BRC: Conheço o programa Acelera Brasil, promovido pelo Instituto Ayrton Senna, que demonstrou ser possível fazer muito pelos jovens nos primeiros anos do Ensino Fundamental I – com paciência, carinho e afeto. Mas ainda falta vontade política, práticas públicas e compromissos das autoridades competentes.

Conheço também algumas ONGs que atuam nessa área da educação promovendo reformas ambientais, reciclagens etc.

Trabalho em um colégio da rede particular de ensino e acabamos de realizar alguns projetos dos quais posso disponibilizar as principais ideias. Iniciamos o trabalho, preocupados em estruturar uma metodologia que respeitasse as especificidades de cada trabalho dos alunos envolvidos. Traçamos uma linha de trabalho, o que podia e o que não podia ser feito. Deixamos claras, as situações cotidianas, os enfrentamentos que eles teriam e assim foi... Trabalhamos o atual processo eleitoral no Fundamental com o projeto de personagens da literatura infantil que se tornaram candidatos. Os alunos fizeram seus projetos políticos, em torno dos temas: saúde, educação, biodiversidade. Apresentaram os projetos às classes, fizeram os “santinhos” e distribuíram entre os colegas, discursos animaram a campanha política, tudo de acordo com o que se vê na TV. Distribuíram entre os colegas programas políticos.
Depois, ocorreu o processo de votação com urnas eletrônicas cedidas pelo departamento de informática. Claro que ganhou o partido que lutou pela biodiversidade, assunto do momento.

Outro projeto foi o “vereador mirim”, Parlamento Jovem, que foi a Câmara Municipal de São Paulo e a aluna defendeu o tema: Preservação do Patrimônio Histórico. Experiência de cidadania e contato com a realidade política e vivência com o plenário.


RCEG: Em sua opinião, o país está progredindo ou regredindo? Por quê?

BRC: Sou otimista, não vejo regressão no país. Mas pé no chão... o país ainda não mudou a forma de pensar e fazer educação, muitas vezes atropelamos razão e bom senso. É preciso definir prioridades, se não o que acontece é que a educação muda, mas não melhora.

Os temas que tratamos são reconhecidos por todos como necessários ao bem público. Estamos discutindo o que muitos gostariam de fazer, colocando problemas que muitos certamente já discutiram. Estamos procurando nossa identidade como brasileiros, e quem trabalha com educação e é educador não pode ser pessimista, tem que otimizar ideias e continuar a lutar pela melhoria e qualidade da educação. Posso até não ser original, mas com certeza percebi que da minha juventude até hoje só crescemos, imagine se não existisse falcatruas, hem!!! Que maravilha seria.

Acredito na democracia e, acima de tudo, numa forma de vida e num processo permanente de libertação da inteligência e não em regime de governo. Para mim democracia e ensino são inseparáveis e influenciam se mutuamente: a educação ganha em intensidade e, quanto maior for à presença da ética democrática nela existente, mais cresce o sentido de políticas públicas e elas se tornam democráticas.

Acredito também que nós, professores, temos a força para mudar o rumo de muitas coisas neste país. E, para terminar, frases de Martin Luther King:

É melhor tentar e falhar que se preocupar e ver a vida passar.
Eu prefiro na chuva caminhar que em dias frios em casa me esconder.
Prefiro ser feliz embora louco que em conformidade viver.
Se soubesse que o mundo se desintegraria amanhã, ainda assim plantaria a minha macieira. O que me assusta não é a violência de poucos, mas a omissão de muitos. Temos aprendido a voar como os pássaros, a nadar como os peixes, mas não aprendemos a sensível arte de viver como irmãos.





Clube Eu Gosto - A Revista do Professor
Número V