08 junho 2012

DESCOBRINDO A SEXUALIDADE



"Há muita informação, inclusive via internet, pois estamos na era digital e o maior prejudicado é a criança que não tem como assimilar tudo isso sozinha. Ela precisa de orientação."

Por Helena Poças Leitao.

 


A sexualidade é um tema delicado mas muito importante de ser tratado com as crianças. Pais e professores precisam estar preparados para essa nova geração, que está munida de informações por todos os lados: televisão, internet, revistas, entre outros. Porém nem sempre essas informações são seguras. Os educadores devem estar atentos e mostrar às crianças que a sexualidade é algo natural, além de ensinar como lidar com ela de maneira saudável e responsável.
O educador e diretor-presidente da Abrades (Associação Brasileira de Educação sexual), César Nunes, responde algumas perguntas para esclarecer pais e professores sobre a educação sexual da criança.


RCEG: Com que idade as crianças começam a descobrir sobre a sexualidade?

 César Nunes: Os pais devem estar preparados para responder aos seus filhos questões que abordam desde o nascimento até as coordenadas humanas gerais da vivência da sexualidade.
Antes, a primeira coisa que é preciso compreender é que a sexualidade é uma dimensão humana. Os animais têm uma dimensão procriativa biológica, é uma dimensão de reprodução que não é sexualidade. A sexualidade é o conjunto de representações sociais, simbologias, qualidades, motivações que envolvem a dimensão biológica. Então só há sexualidade entre os seres humanos, os animais, somente a dimensão procriativa.
A criança, no primeiro ano de vida, tem completa dependência da mãe. Ela aprende a mamar, a mexer na boca, que é uma região libidinosa, que lhe dá prazer; a criança terá prazer também quando ela estiver limpa, sem xixi e cocô; isso tudo vai lhe dar uma percepção do corpo. Então se eu entendo que a sexualidade é uma dimensão humana, vou dizer que tudo o que faço e que humaniza a criança é sexualmente bom. Freud diz que, no primeiro ano da criança, suas preocupações são a relação que tem com a mãe, a de se alimentar. Ela vai começar a reconhecer a mãe pelo cheiro, inicia-se uma segurança afetiva. No final do primeiro ano ela vai aprender a controlar o esfíncter, quer dizer, a urina e o cocô, um controle que o próprio cérebro só consegue ter no final do primeiro ano. A partir do segundo ano a criança já começa a engatinhar, a tentar andar e inicia-se também uma percepção dos sentidos. A mãe começa a trocar gratificações corporais por gratificações psicológicas. Então se a criança faz o xixi no penico, se come direito, se dorme na hora certa, a criança é a queridinha da mãe, essa é a troca por gratificações psicológicas. Aos três anos de idade toda criança começa a se manipular. É importante destacar que manipulação e masturbação são coisas distintas. A manipulação é difusa, inofensiva, inocente. Só que na sociedade em que vivemos essa atitude foi carregada de preconceitos, de elementos, de controle, de repressão. A criança então vai querer saber se seus amigos têm o mesmo órgão que ela tem. Os meninos descobrem que têm pênis e as meninas, vagina. Daí começam os questionamentos para os pais. Este é o momento mais perigoso em que a criança precisa esclarecer suas dúvidas. Se os pais optarem por uma educação sexual tradicional, eu vou repassar os mesmos valores que chamo de “amelioides”, aquela concepção de que uma boa mulher deve ser Amélia, mais recatada, e “machistoides”, a ideia de que o homem precisa ser o macho da casa, o exibicionista. Os pais precisam ter uma ideia de projeto de homem e mulher para seus filhos, humanitário e igualitário. Quando a criança se manipula em público é necessário dizer a ela que há lugares para se fazer esse tipo de coisa, que deve ser em lugar privado do mesmo modo que só fazemos xixi no banheiro, por exemplo.

RCEG: Geralmente a primeira pergunta que a criança faz é “de onde vêm os bebês” ou “como eu nasci”. Como lidar com esse questionamento?

César Nunes: A cada curiosidade da criança, precisamos ter “liturgia”, palavras para corresponder a essas curiosidades, criando significações, como histórias fantasiosas, para tirar todas as dúvidas de cada etapa da vida dela.
Logicamente que devem ser usadas histórias fantasiosas para uma criança de até certa idade e, aos poucos, com jeito passamos a contá-las de forma mais realista. Deve-se sentir a evolução da criança e das informações a sua volta e se adaptar a ela.
Os grandes estudiosos diriam que no terceiro e quarto ano de idade a criança é egocêntrica, não no sentido de egoísmo, mas de só conseguir enxergar o mundo partindo dela mesma. Então quando uma criança pergunta “como eu nasci?” ela está perguntando “como o mundo se preparou para me receber?”. É uma pergunta fantasiosa, egocêntrica, e não é correto pedagogicamente você mostrar nessa fase que o pai tem um “pipi” e a mãe uma “vagina”, e por aí vai. Isso é para outra idade. Neste caso, vale uma história fantasiosa, centrada na criança. Para meu filho eu contei a seguinte história: “O pai e mãe estavam muito felizes, se amavam muito, mas sentiam que faltava alguma coisa para a vida ficar mais alegre e completa. Daí descobrimos que faltava você na nossa vida! Não sabia onde você poderia estar, talvez fosse um arco-íris, já que você é um excelente pintor. “Como ele pode ter tudo que eu e mãe têm de melhor?”Então, eu e sua mãe resolvemos esfregar o cabelo, o nariz, a boca, e assim você viria com um pouquinho de cada um. E eu me perguntava: “como vou trazer esse menino lindo para morar na minha casa?”Sua mãe disse: “eu tenho uma piscininha bem quentinha na minha barriga, ele pode ficar aqui”. Daí você ficou escondido nessa piscina, não dava para te ver. Sua mãe tem uma portinha da vida no meio das pernas e você apareceu por ela. Quando você nasceu, todos os amigos estavam reunidos e todos estavam felizes. O mundo se alegrou: cachorros latiram, fogos de artifício no céu, os sinos da igreja tocaram” e esse é um exemplo de história humanista, fantasiosa, egocêntrica, e é um jeito da criança ficar satisfeita, esclarecer sua curiosidade.
Aos sete anos de idade a criança vai fazer a mesma pergunta outra vez para os pais, porém a abordagem deve ser outra, mais realista. Então os pais vão contar que a “piscina quentinha” chama-se útero, que a “portinha da vida” chama-se “vagina” e assim por diante.

RCEG: Os pais e professores devem sempre aguardar a criança questionar sobre o assunto ou devem iniciar a conversa sobre sexualidade a partir de uma idade específica?

César Nunes: Aguardar sempre. A sexualidade tem a dinâmica dela. Podemos criar facilitadores no dia a dia. Uma vez, quando meu filho era pequeno e estava assistindo à televisão comigo, ele começou a se manipular. Em vez de dizer “tire a mão daí” eu dei um cobertorzinho para ele e disse que era para ele ficar mais reservado. Isso fez com que tivéssemos cumplicidade maior, pois dependendo da maneira com que os pais lidam com o assunto, acabam assustando a criança e, desse modo, ela não se abre e irá atrás de informações em outros lugares. Os pais têm de estar educados sexualmente, senão eles serão ventrículos da educação sexual tradicional, a “machistoide” e a “amelioide”. Se a criança não se manifesta, não adianta criar facilitadores como chamar para uma conversa: “sente aqui e vamos conversar sobre algo sério”; isso já amedronta. Ou “vamos ao médico para conversar sobre algo importante”; se a criança vai ao médico é porque ela pode estar doente, e isso a deixará com medo também.
Então os facilitadores dependem do grau de convivência, de humanização e de formação dos pais.

RCEG: Como trabalhar a sexualidade na escola?

César Nunes: Hoje nós temos uma sociedade que exibe a sexualidade na televisão, nas revistas, na internet, na novela das oito e não temos o acompanhamento, nem da família, nem da sociedade e nem da escola. A escola tem uma educação sexual biologista, médica, preventiva. Então aprende-se os nomes dos órgãos, as doenças e como preveni-las, o ciclo menstrual, enfim, uma linguagem somente científica. E hoje em dia, os pais delegaram a educação sexual para a escola, o que é um grande erro porque uma escola pode dizer sobre a psicologia do homem e da mulher, pode mostrar os papéis históricos, mas uma escola não pode dizer o que é certo e o que é errado, a moralidade sexual é dos pais. E nós vivemos hoje uma desagregação da família. Vivemos numa sociedade discursiva sobre o sexo mas pouco informada. A maior estrela do momento, o Neymar, engravida uma menor, ele com 19 e ela com 16. É a deseducação sexual, é o exemplo que o ídolo do futebol está passando para as crianças. Fora isso, músicas como funk, programas de TV, revistas para adolescentes estão estimulando a sexualidade de forma vulgar e mercantilista.
Há muita informação, inclusive via internet, pois estamos na era digital e o maior prejudicado é a criança que não tem como assimilar tudo isso sozinha. Ela precisa de orientação. A “orientação sexual” surgiu com os temas transversais em 1997, desse modo o professor começou a lidar melhor com o tema, porém não há em nenhum curso de Pedagogia um semestre sobre educação sexual na infância e na adolescência. Como o professor pode dar uma orientação sexual mais humana se ele não aprendeu a teoria pedagógica? As práticas do Ministério da Saúde, como distribuição de camisinha na escola, campanhas preventivas no Carnaval, entre outras, são importantes, mas elas sozinhas não moldam uma educação sexual eficaz. Hoje, estamos na pré-história da educação sexual, precisando passar para outro patamar. É necessário ter uma aula de educação afetiva e sexual, a criança e o adolescente precisam entender que a sexualidade está ligada ao afeto. Senão, olha o que acontece: uma pessoa que tem autoestima elevada não precisa sair beijando vinte pessoas numa balada, não precisa transar com quatorze anos desenfreadamente para fazer parte do grupo de amigos, as meninas não precisam sair com um monte de caras para provar que são atraentes.
Então precisamos sensibilizar os pais e formar os professores para essa educação sexual afetiva.



RCEG: Podem afetar a sexualidade na vida adulta o interesse na infância, que meninos têm pelas brincadeiras de meninas e vice-versa?

César Nunes: Não há tendências naturais para a homossexualidade ou heterossexualidade. Não é correto dizer isso. Não dá para saber o dia que eu virei heterossexual ou uma pessoa virou homossexual. Inclusive hoje já está se dizendo “homoafetivo” ou “homossexualidade”, pois o “ismo” do “homossexualismo” é machista e preconceituoso.
Há uma determinação biológica, o homem e a mulher, e uma determinação cultural, que canaliza ou reprime a sociedade. Não se pode afirmar: “eu sabia que ele (a) era homossexual pois tinha tendências biológicas”; ou: “é homossexual por causa do pai ou da mãe”; ou ainda: “é homossexual porque ele(a) escolheu”. Isso é incorreto.
A sexualidade é minha identidade ontológica e é por isso que é importante o bom relacionamento com os pais, pois aqueles que descobrem sua homossexualidade e não são aceitos pelos pais sofrem muito e podem tomar atitudes errôneas, tornando-se adultos infelizes e confusos.

RCEG: Quando o tema sexualidade não é bem trabalhado na infância, quais são as consequências?

César Nunes: Faz com que as crianças busquem outras fontes para tirar suas dúvidas, procurando as respostas em lugares menos qualificados para isso, como amigos, revistas pornográficas, internet, no banheiro, entre outros.
Eu acompanhei o programa “Malhação”, da rede Globo, que é focado em adolescentes. Certa vez, um personagem da novela disse: “eu não tenho atração nem por meninos e nem por meninas”; a professora respondeu “você é assexuado”. Criou-se uma categoria de “assexuado” em três programas! E isso não existe, nem na pedagogia e nem na biologia, a assexualidade é só para amebas! Cientificamente incorreto, atrasado e desumano. E não houve um lugar em que se alertasse a população para esse erro de informação.
Não há saída, ou criamos um espaço para debater sobre o assunto na escola ou em casa ou as crianças vão continuar aprendendo de forma errada sobre a sexualidade. A escola precisa perguntar: que sexualidade queremos passar? Como vamos passar? Os pais e professores devem se reeducar, ir atrás de informações, por meio de livros e outros materiais especializados, enfim, preparar-se para essa nova geração.



Clube Eu Gosto - A Revista do Professor

Número VI





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