Por Luís Fernando Guidi
Entre as décadas de 1950 e 1980, época em que os quadrinhos
eram ainda muito populares, se um aluno fosse pego lendo uma HQ, provavelmente
a revista seria tomada, jogada no lixo ou até rasgada na frente de todo resto
da sala. Para pais e educadores esse tipo de leitura era um desperdício de
tempo e influência negativa na formação do jovem. Mas, recentemente, os
quadrinhos deixaram de ser vistos apenas como entretenimento de massa. Se antes
eram marginalizados por intelectuais, muitos títulos têm hoje, destaque no meio
acadêmico, aparecem bem em críticas jornalísticas e são até reconhecidos na
função de propagador do conhecimento.
Recentemente o governo, através de programas de incentivo à leitura,
incluiu os quadrinhos nos títulos que foram distribuídos aos alunos da rede
pública. De acordo com o MEC, as escolas receberam os livros independentemente
do número de alunos matriculados. A escola com o menor número de estudantes
recebeu um acervo com 50 títulos e as maiores, três acervos com 150 títulos.
Dados do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), autarquia do MEC
responsável pelo Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), mostram que
49.799 escolas do sexto ao nono ano do ensino fundamental e 17.830 do ensino
médio foram atendidas. No conjunto, o PNBE 2011 distribuiu para essas
bibliotecas escolares 7 milhões de livros de literatura
Editoras e educadores descobrem agora que esse tipo de
publicação pode ser uma grande aliada em sala de aula. O quadrinho parece ter todos
os elementos para contar um período da história, por exemplo, já que dispõe de
textos ágeis, repletos de diálogos e são apoiados em imagens que despertam o interesse
de crianças e jovens pela comunicação dinâmica e agradável. “No mundo inteiro
os quadrinhos estão sendo muito aproveitados nas escolas. Eles ensinam os
menores a começar a sentir prazer com o silêncio da leitura”, relata Rogério de
Campos, diretor da Conrad, uma das principais editoras do segmento e pioneira
em quadrinhos no Brasil. Um de seus autores mais comentados é Joe Sacco.
Nascido em Malta e vivendo nos Estados Unidos desde a adolescência, Sacco é um
dos autores mais respeitados no mundo dos quadrinhos. Jornalista de formação,
ele conseguiu unir a paixão da profissão com o desenho e criou sua própria
maneira de informar com livros que retratam grandes conflitos da humanidade de
forma humanizada, contando a história do ponto de vista das pessoas comuns.
Entre suas principais obras estão duas sobre o conflito entre palestinos e
judeus na Faixa de Gaza; uma sobre a história de Saravejo e outra sobre a
guerra da Bósnia. Este gênero, batizado com o nome de “reportagem em
quadrinhos”, vem sendo bastante elogiado e debatido no âmbito acadêmico. O
autor esteve no Brasil em 2011 durante a Festa Literária Internacional de
Paraty – Flip, e participou de diversos eventos com o público brasileiro.
As publicações nacionais também têm tido cada vez mais
qualidade e agora ganham seu espaço. O Pernambucano Laílson de Holanda Cavalcanti
teve uma charge diária no jornal Diário
de Pernambuco por 27 anos e hoje cria personagens para cartilhas, materiais
interativos e revistas em quadrinhos. Há alguns anos, escreveu o livro Pindorama – a outra história do Brasil (Editora
Nacional), uma HQ bem-humorada que conta a história do Brasil, desde a chegada
dos portugueses até a era Lula. O livro foi adotado por escolas públicas e
privadas como material de apoio didático e recebeu muitas críticas favoráveis
em sites e colunas especializadas. A obra também foi adotada em programas nacionais
de distribuição de livros e bibliotecas em todo o Brasil. Laílson é
palestrante, e em uma de suas palestras cujo o tema é Quadrinhos como ferramenta de apoio didático, ele divulga e explica
o potencial da leitura para professores e profissionais de educação. “Os
quadrinhos são uma excelente ferramenta de apoio didático, principalmente em tempos
como os nossos, onde a imagem é um elemento fundamental de transmissão de
conceitos e conhecimento”, diz.
O que o mercado espera é que o gênero se estabeleça não para
substituir a leitura convencional, mas sim, para contribuir e dar apoio a árdua
tarefa de despertar na criança e no jovem o prazer pela leitura. “Chegaremos ao
momento em que não se estranhará mais a presença dos quadrinhos nas
bibliotecas”, diz Campos da Conrad. “Eles sequer terão uma seção especial nas livrarias
e estarão espalhados com os demais títulos”, completa. “À medida que os
professores forem sendo informados e passarem a perceber as possibilidades que
os quadrinhos podem proporcionar, tenho certeza que o mercado de HQ destinado à
educação vai crescer bastante”, afirma Laílson.
Veja algumas das HQs
que podem enriquecer uma aula
Palestina – uma nação
ocupada: Uma viagem ao oriente médio para conhecer o drama real entre
Palestinos e Judeus que vivem na Faixa de Gaza. Relatos verídicos de refugiados,
soldados e vítimas de tortura.
Gorazde – área de
segurança – a guerra da Bósnia Oriental 1992-1995: Durante a Guerra da Bósnia, a cidade de Sarajevo se tornou
parte do grande espetáculo mundial. A parte oriental do país muçulmana foi vítima
de selvagerias impostas pelas forças sérvias. Joe Sacco retrata tudo isso com
um texto exato e desenhos detalhadíssimos.
Pindorama – a outra
história do Brasil: De forma leve e
bemhumorada, Lailson conta a história do Brasil, desde a chegada dos portugueses
até a era Lula.
O Fotógrafo: Coleção composta por 3 volumes e que conta a história de um
fotógrafo francês que parte para o Afeganistão juntamente com uma equipe dos
Médicos Sem Fronteiras. Na época, o país estava em guerra com a União
Soviética. O livro mistura HQ com fotos.
A arte da guerra – o
renascimento do império chinês: Antes de se tornar o país que é hoje, a China era dividida em
diversos reinos. O livro conta o surgimento do império Chinês através de
guerras e suas filosofias milenares.
Che – os últimos dias
de um herói: Proibido na Argentina durante a ditadura, é considerada a
maior biografia de Che já escrita.
Gen – pés descalços: Relato autobiográfico do japonês Keiji Nakazawa sobre os
horrores da segunda guerra e os sobreviventes da bomba atômica.
Clássicos da
literatura ganham formato em HQ
Os grandes clássicos da literatura mundial podem estar
frescos na memória do público mais velho, mas apresentar essas obras aos mais
jovens em sua versão original tem sido um grande desafio imposto a qualquer professor.
Atentas às necessidades dos docentes, as editoras estão transformando os textos
em histórias em quadrinhos. Esse é o caminho da linha Quadrinhos Nacional, da Companhia
Editora Nacional, que se destaca pela variedade das obras e pela linguagem
destinada ao público jovem. Os exemplares da coleção trazem histórias criadas
por alguns dos maiores escritores de todos os tempos. As adaptações têm tamanho
padrão de 48 páginas e todas custam R$ 23,90. Entre elas estão Os três mosqueteiros, de Alexandre
Dumas. A publicação mostra o jovem D´Artagnam chegando em Paris e conhecendo os
mosqueteiros Arthos, Porthos e Aramis. O quarteto se torna inseparável se verá
em meio a perigosas intrigas que envolvem o trono francês. Já o suspense é a
trama chave do clássico O Médico e o
Monstro, do escritor Robert Lois Stevenson. O livro é uma trama psicológica
entre o ser humano e sua possível versão bestial já que o médico Dr. Jekyll resolve,
por meio de experimentos científicos, trazer à tona seu lado demoníaco. Clássicos
como A ilha do tesouro,Macbeth, Drácula e O corcunda de Notre
Dame são outros títulos que totalizam 16 obras adaptadas. Mas talvez os títulos
que mais chamem a atenção dos jovens são os clássicos nacionais. Mais cedo ou mais
tarde eles terão que entrar em contato com as obras de grandes autores como
Machado de Assis, Lima Barreto e Manuel Antônio de Almeida. Adaptações como Triste fim de Policarpo Quaresma, O alienista e Memória de um sargento de milícias também fazem parte da coleção da
Editora Nacional. Essa é uma grande oportunidade para apresentar a jovens e
adolescentes os grandes clássicos da literatura mundial e, quem sabe,
contribuir para a sólida formação de novos leitores.
Clube Eu Gosto - A Revista do
Professor
Número VIII
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