Gabriel Chalita
Não há quem se sinta bem ao ser maltratado, desestimulado ou
desprezado. Isso vale em um restaurante, em um posto de saúde, em uma Igreja ou
em uma escola. Nesses afetos cotidianos, nota-se o papel da escola como
protagonista de uma sociedade melhor. É na escola que se moldarão o caráter e a
personalidade, que aprendemos os primeiros passos rumo à formação do ser
humano. Já não há mais espaço para instituições que passam burocraticamente
informações aos alunos sem o cuidado de formá-los devidamente para a vida.
Nesta entrevista, o professor e educador Gabriel Chalita mostra de forma
prática como aplicar em sala de aula um dos conceitos que mais defende: a
psicologia do afeto.
Revista Clube Eu Gosto:
Qual a importância e
o resultado prático da afetividade no ambiente pedagógico?
Gabriel Chalita:
O processo educativo envolve três grandes habilidades: cognitiva, social e emocional.
A habilidade cognitiva trabalha com o processo constante de aprender novas
ideias, conceitos e valores. A habilidade social desenvolve duas questões
básicas: uma é a importância da cooperação, e a outra é a solidariedade. A habilidade
emocional é a revelação do que há de mais nobre no ser humano: a capacidade de
amar e de ser amado. Ela perpassa as outras duas. Não se aprende sem emoção e
não se participa do jogo social sem emoção. A afetividade nasce dessa certeza
de que o aluno aprende quando se sente valorizado, acolhido, respeitado.
Portanto, o resultado prático é a construção de um espaço mais harmônico em que
as heterogeneidades convivam em paz. E, além disso, a real possibilidade de
aferir os resultados de uma educação com mais qualidade e significado para os
aprendizes.
RCEG: Que ações e comportamentos práticos demonstram essa afetividade em sala de aula?
GC: Afetos cotidianos. Os professores têm de conhecer os
seus alunos. Sei que isso não é fácil. Mas o ideal é o que propunha
Aristóteles: o educador tem de ser como o médico. O médico precisa conhecer o
paciente antes de prescrever um medicamento. Há doses diferentes do remédio de
acordo com a necessidade de cada um. O educador tem de ir percebendo a evolução
do aprendiz. E ir conduzindo com leveza os seus passos. Na prática, significa
que o professor deve se preparar para entrar em uma sala de aula. Saber o nome
dos alunos. Diferenciar autoridade de autoritarismo. Compreender que a didática
da sala de aula precisa ser mais envolvente. O aluno participa melhor quando se
sente desafiado a resolver problemas, quando percebe que as suas dúvidas são
respeitadas. Não acredito na teoria do medo para garantir o bom comportamento
em sala de aula ou evitar a algazarra.
RCEG: É possível
conseguir disciplina com afeto?
GC: Sem dúvida. Dom Bosco, o fundador dos salesianos, dizia
que não basta aos jovens que sejam amados, eles precisam sentir que são amados.
Ele tinha o desafio de cuidar de crianças cuja rebeldia fazia com que não
fossem aceitas em escola alguma. E, aos poucos, ele ia conquistando uma a uma.
O cinema é rico em exemplos assim.Professores que transformam a desconfiança ou
a apatia dos seus alunos por meio de relações educadas, ternas, competentes.
Evidentemente, não basta uma postura cordial, se o professor não se prepara, se
não tem o que dizer. Conteúdo e forma são essenciais para que os alunos se
interessem pela aula. O professor precisa despertar a curiosidade do aluno, compreender
o erro e não supervalorizá-lo. E investir em uma relação que faça com que o
aluno fique constrangido em ser indisciplinado, já que é tratado com tanto
respeito. Uma regra básica: todo educador tem de ser educado. Esse já é um
caminho para ter uma relação melhor entre mestres e aprendizes.RCEG: Se a relação de afeto é uma relação com base na cumplicidade como conseguir isso do aluno?
GC: Aos poucos, como toda relação de afeto. Não adianta o professor chegar a uma sala de aula e dizer que ama os alunos ou que tem afeto por eles. Essas coisas não precisam ser ditas. O tempo vai mostrando o quanto aquele professor gosta de lecionar, o quanto ele se prepara para ajudar os alunos a encontrar os próprios sonhos. Trata-se de uma conquista cotidiana. O primeiro dia de aula é fundamental. O primeiro contato tem de ser de acolhimento e de instigação. Não há matéria chata. E o professor tem de se dar conta de que a didática precisa servir a essa causa de buscar na vida a continuação do conhecimento partilhado na sala de aula. É como oferecer o aroma de uma flor sem mostrá-la e esperar para ver os alpinistas escalar montes à sua procura. Paulo Freire dizia que o primeiro caminho para que o professor tenha sucesso é ver sua postura diante da vida. Quem gosta de viver tem chance de ser um bom professor; quem não gosta, fica mais difícil. Creio que o que o mestre queria dizer com isso é que a fremente aventura da vida não pode se reduzir a atitudes burocráticas, mas ao êxtase da boniteza da vida em que ensinamos e aprendemos constantemente – aí está a cumplicidade!
RCEG: Um dos resultados práticos da psicologia do afeto é o fortalecimento da autoestima. Como lutar contra o bullying, uma prática comum nas escolas e que vai contra a filosofia do afeto.
RCEG: O material
didático tem alguma importância nesse processo de aplicação prática do afeto?
GC: Todo material é importante para instrumentalizar os
caminhantes. O material didático não pode frustrar a autonomia, ao contrário,
tem de despertar a curiosidade e impulsionar a competência na resolução de problemas.
Assim, também, o chamado material paradidático. O livro é um instrumento
precioso. A tecnologia evidentemente trouxe um novo tempo para o processo
educativo, mas o livro, a contação de histórias, o convívio são a essência de
um processo de crescimento, como já dissemos, cognitivo, social e emocional
entre alunos e professores. Lembro-me de uma das minhas primeiras professoras que
toda sexta-feira nos colocava no chão para ouvir uma história. Às vezes lia, às
vezes contava. E no momento mais curioso da narrativa, fechava o livro ou a
boca, dava uma pausa, e a notícia de que o final da história ficaria para a
segunda-feira. E aí estava a curiosidade. Havia poucos livros na biblioteca e
quase sempre não conseguíamos encontrar o final. Não havia internet. Esperávamos
ansiosos pela segunda-feira para saber o desfecho. Era assim, na simplicidade
da releitura de Sherazade que aquela professora/fada de uma escola pública do
interior, com seu condão, tocava os nossos sentimentos e ensinava que nos
livros estavam universos fascinantes que, quando descobertos, nos dariam a
vitória singela atribuída aos desbravadores. Os livros, os materiais
tecnológicos estão aí para ser desbravados. E é por isso que a educação não
pode alijar a coragem, ao contrário, deve incentivá-la. Sem a coragem, as
outras virtudes se intimidam.
Clube Eu Gosto - A Revista do Professor
Número II
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